Versos de Fernando Pessoa


Amor doce mistério celeste


Amor, doce mistério celeste,

Em teu olhar tudo encontro

Nas entrelinhas do teu gesto

O mundo se revela ao ponto.


Soneto de Fidelidade


Terás um amor daqueles que têm

Tudo, que são o próprio corpo e a vida,

Que você veja amor como ele, e até com ele, ou além,

Um amor que alguém saiba com amor sabê-lo havia.

Oferta na união de pureza, esta oferta

Ofereceremos a nossa vida, sem saber, sem pra

que possa virar o amor uma límpida oferta.

Dentro dela me encontro, e basta.


Soneto XVI


Amo-te tanto, meu amor... não cante

O humano coração com mais verdade...

Amo-te como amigo e como amante

Num só, que eu, talvez, não sinta em vão.

Que não é a mulhér que amo e cante

Quando amo, mas um ritmo, um impacto

Do amor na mulher, a substância do encanto

Que espero, fé na fé com que esperei.

Se amo, é impossível como prova

Do não-amor, mas como um fogo clama

Que não sou eu quem ama, nem se ama

Que sou o amor. Da deixa quem se amou

Quando uma mulher passa: que se pousa

Cantando, fui só eu quem por ela sou.


Amor é fogo que arde sem se ver


Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer.


Amor é fogo que arde sem se ver


Amor é fogo que arde sem se ver,

É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente,

É dor que desatina sem doer.